Faço questão que você conheça o compositor romântico paulistano Alexandre Levy, que viveu apenas 27 anos mas deixou uma obra importante e de muito bom gosto.
Enquanto você lê sobre este fantástico músico, ouça o Tango Brasileiro, sua obra mais famosa, na interpretação da maravilhosa pianista Eudóxia de Barros, recuperada de um velho vinil:
Agradeço à pianista Eudóxia de Barros pela permissão para publicar aqui as suas gravações das músicas de Alexandre Levy!
O interesse no grande compositor justifica-se principalmente pela alta qualidade de suas obras, inseridas na tradição romântica.
Além disso, Levy foi um pioneiro do nacionalismo musical no Brasil, com obras como o Tango Brasileiro para piano e a Suite bresilienne. Apesar do título em francês, a quarta parte da suíte é um Samba.
É considerado um dos melhor compositores brasileiros do período romântico. Imagine se não tivesse morrido tão cedo e tivesse produzido mais...
O Tango Brasileiro foi publicado em 1890 no jornal O Diario Popular, “como um presente às suas graciosas leitoras”. O que significa isto?
Naquela época – bem antes do sufrágio feminino –, as moças bem-nascidas tinham um piano em casa e eram ensinadas a tocá-lo. Mas muito além do deleite dessas jovens, o Tango entrou para o repertório brasileiro de música para piano. Guiomar Novaes, Antonieta Rudge e Eudóxia de Barros são só algumas das pianistas que o gravaram.
(O tango brasileiro é uma dança de salão brasileira que esteve na moda no Rio de Janeiro nas últimas décadas do séc. XIX. É bastante diferente do tango argentino. Outro pianista da época, Ernesto Nazareth, escreveu muitos tangos brasileiros famosos. Finalmente, o chorinho apropriou-se tanto de Nazareth como do tango brasileiro, como se ambos sempre tivessem sido choro.)
Veja a primeira página da partitura do Tango Brasileiro.
A peça de Levy é construída sobre o contraste entre dois temas, o primeiro em lá maior, o segundo em lá menor (0:14-1:19). A última seção é em lá maior, mas o acorde final é – surpresa sonora! – de lá menor. Isto é o oposto da terça picarda, explicada por Walter Piston em seu livro Harmonia da seguinte forma:
“No século 18 era quase um maneirismo terminar numa tríade de tônica maior embora o movimento tivesse certamente sido todo em modo menor. Esta terça maior era chamada tierce de Picardie ou terça de Picardia.”
Posso então chamar o procedimento de Levy de terça anti-picarda?
A função desta surpresa final é resumir num único acorde toda a tensão da peça, como nos mais geniais fragmentos românticos.
Esta elegante e bem-humorada peça para piano, opus 1 de Alexandre Levy, foi composta entre 1881 e 1882. A interpretação é de Eudóxia de Barros.
Alexandre Levy nasceu em 10 de novembro de 1864. Cresceu num ambiente muito musical. Seu pai, Henrique Luis Levy, foi o fundador da Casa Levy, uma loja de música muito importante na vida cultural da cidade de São Paulo. Existe ainda hoje como comércio de pianos.
O primeiro professor de música do menino foi seu irmão Luis Levy, excelente pianista e também compositor. Mais tarde, Alexandre estudou com Gabriel Giraudon, professor francês que vivia em São Paulo.
A cultura francesa certamente influenciou Alexandre Levy. A família provavelmente falava francês em casa: seu pai era francês de nascimento e sua mãe vinha da parte francesa da Suíça. O compositor costumava dar títulos em francês às suas obras.
Em 1887 Alexandre foi para a Europa para completar sua educação. Em Paris ele estudou harmonia e contraponto com Emile Durand, que haveria de ser também professor de Claude Debussy.
De volta a São Paulo, Levy compôs algumas obras-primas até sua misteriosa morte prematura, no dia 17 de janeiro de 1892. Ao que se saiba não sofria de nenhum mal, mas subitamente faleceu, deixando já uma produção espantosa para quem teve apenas 27 anos de vida. “Um anúncio de gênio”, disse Mario de Andrade.
Uma interessante miniatura romântica, quietinha, na tradição das Canções sem palavras de Felix Mendelssohn. Tocada aqui por Eudóxia de Barros.
A música de Levy mostra forte influência de Schumann. Mas suas obras são altamente originais e às vezes construídas em formas populares brasileiras (o caso do Tango Brasileiro) ou usam temas folclóricos brasileiros como matéria prima, o que o torna um precursor do nacionalismo musical brasileiro.
De fato, mesmo se sua arte é fundamentalmente europeia, Alexandre Levy foi classificado por Mario de Andrade (talvez irresponsavelmente) como um compositor mais caracteristicamente brasileiro, juntamente com Antonio Carlos Gomes (1836-1896) e Alberto Nepomuceno (1864-1920), do que outros cujas tentativas de fazer música brasileira parecem mais uma concessão ao exótico, pois não conseguiam se libertar o suficiente das lições europeias (Leopoldo Miguez (1850-1902), Henrique Oswald (1852-1923), Francisco Braga (1868-1945), João Gomes de Araújo, Barroso Neto (1881-1941) e Glauco Velásquez (1884-1914)).
Alexandre Levy não foi o primeiríssimo compositor a usar elementos populares brasileiros como base temática porque já em 1857 Antônio Carlos Gomes escrevia Cayumba, uma dança de negros, inspirada em fontes populares. Outra obra importante que precedeu às de Levy foi a rapsódia para piano A Sertaneja, do diplomata e compositor Brasílio Itiberê da Cunha (1848-1913), composta em 1869. A canção usada foi Balaio, do sul do Brasil.
Mas isto não diminui a importância histórica de Alexandre Levy, que também se deve à qualidade de suas composições.
Esta importante e difícil peça para piano, de 1887, revela o quanto Levy admirava Robert Schumann. O appassionato (apaixonado) não está no título por acaso; é uma das peças mais românticas de Levy.
Esta arrebatadora performance é da sensacional pianista goiana Belkiss Carneiro de Mendonça, falecida em 2005.
Hoje em dia a canção folclórica brasileira “Vem cá, Bitu” é mais conhecida pela letra alternativa “Cai, cai, balão”. O primeiro tema com variações jamais escrito sobre uma canção folclórica brasileira é esta interessante obra de Alexandre Levy, com 16 variações.
Pretendo escrever um post somente sobre essas variações, usando a gravação de Eudóxia de Barros. Você se interessaria?
